Resposta ao meu texto

Recentemente, recebi uma contra-argumentação interessante sobre o meu texto.

Infelizmente, o autor (que recorre ao anonimato), tenta fazer FUD sobre a minha pessoa, ao invés de rebater meus argumentos, dizendo que “eu não li a lei”, no bom e velho estilo de “vamos tentar fazer o atacante parecer ignorante, para dizer que o que ele fala não é válido”. Fico triste ao ler argumentos assim, pois qualquer um que estudou um mínimo sobre debates, sabe que isso é uma técnica suja de diálogo e que meus leitores já me conhecem de longa data, e sabem da minha participação na área de TI.

Enfim, deixando isso de lado: vamos ao que o autor disse:

O piso salarial pode sim, ser uma realidade. Engenharia, advocacia e medicina são bons exemplos disso.

Eu trabalhei minha vida toda em empresas de engenharia. E elas eram unânimes em contratar engenheiros júniores com outros cargos, como “analista”, “auxiliar” ou outro nome qualquer. Um piso salarial é uma medida que desconsidera princípios básicos da economia, como a lei da oferta e da procura. Desconsidera também o princípio básico de liberdade individual e da livre negociação: empresas podem pedir o quanto quiserem, assim como você pode cobrar o quanto quiser, e ambas as partes tem o direito de não aceitar. Nenhum patrão põe uma arma na sua cabeça e te força a aceitar o emprego, nenhuma empresa te proíbe de pedir demissão. Use esse seu direito.

Como expliquei, fixar um piso salarial é, no mínimo, infantil. Só fazer isso não irá fazer com que a empresa receba receitas e possa aumentar seus gastos com folha de pagamento.

O mercado de TI está em ampla expansão,  arrecandado MUITO dinheiro. Alegar que as empresas vão parar de contratar é besteira.

Se o mercado de TI está em expansão, então, há oportunidades de emprego em todo lugar. Na verdade, isso já tem sido observado em grandes centros, onde se concentra o PIB do país. Um bom programador jamais fica desempregado. Entendendo isso, entende-se também que um programador não é obrigado a se sujeitar a condições sub-humanas de emprego, e pode achar empresas sérias e bons cargos. E isso pode ser feito, com ou sei lei.

Bons programadores não estão passando fome. Todos os colegas de faculdade ou do ensino médio (que foi técnico) que tive, que realmente abraçaram a profissão, hoje, estão bem empregados. Alguns mudaram-se para outras cidades, e estão satisfeitos com a profissão. Acompanho também a vida de diversos alunos, que se formaram nos cursos onde dei aula e sua situação também não é ruim.

Já observamos também na área aumento gradual dos salários. Simplesmente porque as grandes empresas não estão achando mais profissionais seniores ou plenos que aceitar trabalhar por pouco.

Hoje em dia já somos sobrecarregados de trabalho, se sobrecarregar mais o profissional ele irá surtar e/ou pedir demissão. E aí a empresa fica sem funcionário nenhum, simples assim.

Ninguém precisa de regulamentação para usar essa lógica. Está insatisfeito com seu emprego? Então saiba que outras empresas, mais sérias que a sua, também estão precisando de profissionais. Nesse caso, se está insatisfeito, espalhe seu currículo, peça demissão e saia de onde está.

Agora, se você acha que hoje o mercado está saturado o suficiente gente topar trabalhar em condições ruins por pouco, sem pedir demissão, certamente, com um piso, haverá gente topando trabalhar sobrecarregado de trabalho também. E, se o cara surtar e se demitir, por que diabos a empresa ficaria sem profissional? Ela contrataria outro, e teria rotatividade.

O principal questionamento está mesmo na raiz do problema: Por que hoje temos tanto medo de abrir empresas de TI? Por que tantas vão à falência nos primeiros anos de vida? Por que o mercado cresce só para empresas já enormes, internacionais e consolidadas? Por que nossas empresas de TI não competem no mercado internacional?

A questão não é a empresa oferecer mais vagas PJ, ou oferecer maus cargos. Maus empregos sempre irão existir, com ou sem piso, regulamentação ou lei. A questão principal é: o que está te forçando hoje em dia a se manter nesses maus empregos? E, por que não surgem empresas oferendo bons empregos? E por que você, que está revoltado com a profissão, mas é excelente no que faz, abre sua própria empresa, com regras que você considera justas, e a faz crescer?

A “visão esquerdista míope” dos sindicatos é o motivo pelo qual o sindicato existe: Defender o trabalhador da exploração. Nem todos os sindicatos cumprem seu papel e muitos deles existem apenas para dizer que existem. Pior, existem ainda aqueles cujos diretores estão em conluio com o patronal e são extremamente prejudiciais à relação trabalhista.

Ao que parece, eu e o autor do texto estamos de acordo que, de maneira geral, não funcionam. O que então funciona? Você poder trocar de emprego. E está aí o cerne da minha argumentação: O que te impede hoje de fazer isso?

A visão míope que citei, é de achar que os patrões são milionários exploradores. A maior parte das contratações ocorre em pequenas e médias empresas, com patrões que estão muito longe de serem isso.

Sobre a contratação de amadores

Sim, hoje em dia há muitos amadores na profissão. A velha história do “meu sobrinho faz mais barato”. Gente que lê meia dúzia de apostilas na internet e sai por aí escrevendo código. Isso gera prejuízo de software tendo que ser reescrito por ser um trabalho amador. Há sim, bons profissionais no mercado que nunca cursaram uma faculdade, porém são minoria.

Cuidado para não inverter a lei de causa / consequência. O diploma só é reconhecido por que os profissionais atrás deles estão em boas faculdades. Não é o diploma que faz do profissional um bom profissional, mas a faculdade que ele cursou, e sua dedicação pessoal.

Para que um diploma funcione faculdade precisa realmente ter o papel de educar. É seu diploma ter valor pelo fato de que as pessoas que saíram da sua faculdade estão sendo reconhecidas como melhores do que quem não saiu. Não pelo fato de que existe uma lei dando valor àquele pedaço de papel.

E para que isso ocorra, essa lei não precisa existir: Hoje, empresas já filtram profissionais de acordo com diversos critérios, e um deles é a faculdade.

O que também funciona, como também argumentei, é que existem mecanismos de certificação complementares sérios e mais específicos. E hoje, as empresas privadas já os fornecem: vemos profissionais de TI buscando diferenciais em certificações Oracle (banco de dados, Java), Microsoft, CISCO (redes) ou certificações de gestão de TI (CISSP, PMP, etc.), e vemos contratadores que dão valores a essas certificações.

Então, o que a lei de reserva de mercado muda? Ela apenas impede bons profissionais que não se formaram de ingressar no mercado. E dá ainda mais valor aquele seu colega que se formou nas costas do seus amigos. Ao colocar o diploma como causa da qualidade, e não como consequência do ensino, ela também dá mais poder de barganha a faculdades medíocres que vão simplesmente cobrar para colocar um diploma fraco nas mãos de qualquer um.

Tenho amigos que fazem parte dessa minoria e recentemente, tive a oportunidade de trabalhar com um desses que me ensinou muitas coisas sobre TDD.

E por que você quer tirar o direito de outras pessoas boas, como esse seu amigo, de chegarem onde chegaram por meios próprios? E que tal citar outras pessoas boas, que atingiram altos patamares em TI sem diploma, como Edsger Dijkstra, Philip Calçado, Bill Gates, John Carmack

Porém, a grande maioria é de maus profissionais. E esses se sobressaem no quesito preço, que é o que mais pesa no pensamento imediatista e antiquado do empresariado brasileiro. Custam muito menos do que um profissional bem qualificado e aí faturam a vaga de emprego ou o freelance.

De qualquer forma, como você mesmo argumentou, um mau trabalho tem que ser reescrito. E isso gera prejuízo. E o prejuízo não é “de software”, é financeiro mesmo, e no bolso de quem pagou. Empresas mais sérias já perceberam que muitas vezes o barato sai caro, e já não contratam qualquer um. Profissionais sem diploma geralmente tem que mostrar um bom currículo, que comprove sua experiência. Buscam-se referências, certificações e outros mecanismos.

Pergunte ao seu colega, e você vai ver que ele teve que ralar bastante para entrar no mercado sem diploma, provavelmente mais do que um aluno de uma boa faculdade num programa de estágio teve.

Isso vale com ou sem lei de reserva de mercado. Mesmo com a reserva, as empresas ainda terão que separar o bom do mau profissional. Minha argumentação é justamente sobre o fato da lei de reserva ser inútil, pois não auxilia em nada o contratador nessa decisão.

 O texto do projeto de lei diz que, para profissionais sem diploma, é necessário 4 anos de experiência em carteira para nível técnico ou 5 anos para nível superior. No fim das contas, não vai fechar o mercado apenas para os formados.

Como assim não vai fechar para formados? De onde as pessoas irão tirar os 4 ou 5 anos de experiência, se não podem exercer a profissão sem diploma?

Essa cláusula está na lei apenas para proteger somente quem já atua na profissão. Para garantir o princípio do direito adquirido. Gente como seu colega,  que já comprovaram que são bons e atuam no mercado de TI, e que vão se aposentar um dia. Mas, a partir do momento que a lei for oficializada, quem não tiver os tais 4 anos de profissão, não poderá mais entrar no mercado sem diploma. Ou seja, novos profissionais de TI terão, sim, a seu dispor, uma reserva de mercado, que estará, sim, fechado a contratações sem diploma.

Uma das coisas citadas no artigo que fala contra a regulamentação é que as empresas seriam proibidas de contratar estagiários. Isto é uma grande mentira.

Não foi isso que eu falei. Eu falei que a empresa estaria proibida de escolher o profissional que quisesse. Ela estaria restrita só aos diplomados.

Na verdade, a proibição de se contratar somente um estagiário, sem supervisão, já existe hoje em dia e admito que falar dos estagiários naquele contexto foi mesmo uma escolha infeliz de minha parte.

Entretanto, critico veementemente a sua postura que se seguiu:

Prova claramente que quem o escreveu não se deu ao trabalho de ler o texto da lei, muito menos os anexos e pareceres das comissões. O texto da lei mesmo diz que aos estudantes será concedida uma permissão especial para estágio, fornecida pelo conselho, para que possam trabalhar em regime estagiário.

FUD. Ataque os meus argumentos, ao invés da minha pessoa. Aliás, apesar de ter citado estagiários, minha argumentação sequer era sobre eles,  mas sim, de que não se pode tirar o contratador o direito de escolha. Se ele quiser contratar um serviço barato e de baixa qualidade, ele deve poder ter esse direito. Se ele quiser fazer ele mesmo, ele também tem esse direito. Mesmo que ele saiba que depois irá jogar o trabalho fora. Quem tem que decidir como gasta o próprio dinheiro, é o dono do dinheiro.

É por isso que critico hoje a restrição em certas profissões, como contabilidade ou dos advogados. Por que você precisa de um advogado formado para te defender? Por que é necessário um contador para lançar a contabilidade de uma pequena empresa, mesmo sendo ela extremamente totalmente informatizada e simples? E por que alguém teria que contratar um técnico em informática formado só para fazer o website da própria empresa?

Sobre responsabilidade penal

Quem não é médico e exerce a medicina põe em risco vidas humanas, ao ser descoberto é preso. O mesmo vale para outras áreas, por que em TI seria diferente? Se um profissional desqualificado escrever o software que controla um metrô e esse trem bater, matando dezenas ou centenas de pessoas, de quem é a culpa? É isso que vai ser regulado na responsabilidade penal do exercício ilegal da profissão em TI. A empresa que contratar um profissional “fora da lei” e o profissional terão agravantes nas penas previstas em lei. Pense bem: Você deixaria nas mãos de um profissional mal qualificado a codificação do software que regula o seu marca-passo?

Simplesmente ignorou a minha argumentação de que para áreas de TI relacionadas a engenharia ou medicina, já existem processos regulatórios. Os médicos não podem indicar qualquer fabricante de marca-passos, e você precisa da certificação de um engenheiro para construir um software para um metrô ou um avião.

O argumento de “se a área XYZ pode, por que a nossa não pode também” é simplesmente ridículo. Cada caso é um caso, e deve ser analisado com cautela. Creio que 90% dos sistemas em nossa área sejam inofensivos e os outros 10% que não são, já estão regulamentados e controlados por outras áreas. É fato que existem outras profissões, como a de contador, onde a regulamentação é igualmente sem sentido. Nesse caso, lutemos para extingui-la. Dizer que o amiguinho faz errado e que para justificar nosso próprio erro é um argumento infantil.

O texto diz ainda que os processos de desenvolvimento virarão “oficiais” e se tornarão mais burocráticos e engessados. Não, isso não vai acontecer. O texto legisla sobre quem pode ou não exercer uma profissão no mercado de TI, não sobre o escopo de cada cargo. Diz quem pode fazer, não como deve ser feito. E novamente, quem lê o projeto de lei sabe vê que lá está especificado que quem decide quais são os cargos e as atribuições de cada cargo é o conselho, não a lei. O conselho é formado por profissionais de TI, não por políticos. Gente que tem know-how e sabe qual é o escopo de cada ramo da TI. O que isso vai gerar é um maior profissionalismo e comprometimento por parte de todos os stakeholders dos projetos.

Mesmo, não vão acontecer? Então, não haverá irregularidades na profissão. Para dizer que uma pessoa fez um software “errado”, e responsabiliza-la civil ou criminalmente, você terá que, necessariamente, especificar o que é certo ou errado. Como um juíz irá dizer que houve imperícia, se você não definir o que um perito deveria ter feito? É um princípio básico do direito, chamado de princípio da reserva legal: Se não está na regulamentado, não é ilegal.

O fato da lei não especificar o “como”, é porque leis dificilmente especificam isso. Quem especifica “como” são os mecanismos reguladores. Sejam através de decretos regulamentares, ou através de conselhos e órgãos reguladores, criados para isso. No caso da lei em questão, ela elege um conselho e dá a ele poder de decidir assuntos referentes a informática. Se houver necessidade de responsabilidade penal, e de se criticar se o profissional realizou ou não direito o seu trabalho, o conselho terá, obrigatoriamente, que especificar normas e procedimentos considerados “padrão”, caso contrário, seria impossível imputar tal responsabilidade. Isso ocorre hoje na engenharia e na medicina, citados por você.

Finalmente, o autor da contra-argumentação termina com uma frase que soa inocente, até um tanto esperançosa e utópica:

Os conselhos serão formados por nós, para trazer melhorias para nós. Se ter conselho fosse tão ruim assim e atrasasse tanto, engenheiros e médicos não teriam o prestígio e os salários dignos que tem hoje.

O que dizer então dos salários dos fisioterapeutas? Sabem qual é o salário inicial na profissão? Aqui onde eu moro é de R$600,00, menos da metade do valor do salário de TI.

Que tal do conselho de nutrição? De economia? De corretores de imóveis?

E o conselho de administração? Já olhou o que se pede nas vagas de administração e no tipo de dinâmicas humilhantes que novos candidatos tem que passar para obtê-las?

É fácil pegar três bons exemplos para citar a regra. Pegar exemplos onde entrar na profissão é extremamente difícil: não é fácil se formar engenheiro, nem médico. Ou falar em altos salários onde boa parte dos empregados são funcionários públicos “por definição”, como é o caso do direito. Também falar de exemplos onde faz muito sentido ter uma profissão regulamentada, e ignorar os exemplos onde não faz.

Esse texto despreza o fato de que conselhos são impostos por força de lei, e vão existir fazendo um bom trabalho ou não. Também desconsidera que conselhos passam a ter influência política e que nem sempre são formados pelos melhores exemplos de profissionais do mercado.

E, finalmente, esquece de que a defesa que esse conselho faria, já deveria estar sendo feita pelo seu sindicato, que também existe “para te proteger”, que também é “formado por nós” e também é obrigatório por força de lei.

Em resumo, não vi em local algum onde a contra-argumentação realmente refutou meus argumentos. Ou ainda, onde as tais leis e a regulamentação realmente beneficiariam quem está na profissão, e como.

Agora, a PL torna extremamente clara quem será o conselho e o fato de estarmos submetidos a ele. Como já conclui no primeiro artigo, de ladrão roubando meu dinheiro, já basta o governo e o sindicato.

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